05 fevereiro, 2010

RETICÊNCIAS 7

Um sorriso irresistível nasce do canto da minha boca quando a bala resvalada penetra no terrível papel de parede verde-musgo. É claro que eu poderia ter sido mais competente, mas eu gosto desse jogo de gato e rato que se apresenta à minha frente. E além do mais, esse rato é especial.

Súbito ao tiro, silêncio. Deve estar forçando aquela porra de supercérebro em algum plano de fuga genial. Os segundos são intermináveis, mas aproveito cada momento da sua aflição para recarregar as minhas energias depois da monótona noite de verão. Já era hora de movimentar as coisas.

O imagino assustado e permito-me abrir um pouco mais meus lábios como uma grande faca curvada. Gosto de brincar com meus alvos, sentir o aroma do medo e decifra-lo nos gestos descuidados e na mente paranóica de suas vítimas. Por mais extraordinário que um indivíduo possa ser, quando o terror absoluto lhe sufoca a razão, a guarda baixa. E é nessa hora, tal qual um toureiro, é que eu desfiro meu golpe fatal leve o tempo que levar.

Há certamente uns que reprovam meus métodos, os rotulando como caóticos, desleixados ou demorados em demasia. Outros ainda, suspeitam da extrema negligência da Agência com os mesmos.

Pobres idiotas. Onde esses merdas vêem caos, eu vejo ordem. A minha ordem. Sabe aquele livro de regrinhas que todo recruta é obrigado a decorar antes de largar a fralda? Pois é, eu não só o rasguei em pedaços como embaralhei todos fora de posição depois. A chefia sabe do meu resultado e me trata como um mal necessário, habilmente relevando meu modus operandi à vista de meus “companheiros”. Eu, pessoalmente, cago e ando pra essa porra toda. Fazer parte só é conveniente para satisfazer as minhas próprias necessidades. Nem mais, nem menos.

Ainda com o olho na mira, alcanço a xícara amarela em cima da mesa e bebo um pouco do café. O aroma forte invade o meu cérebro e vislumbro movimento na escada de incêndio. Desaponto-me por um instante e delicio-me no outro. Em tempos passados, esse débil plano de fuga seria indigno da sua condição extraordinária. Hoje, é a prova inconteste de que meu plano caminhava perfeitamente.

Reposiciono o rifle nacional e prendo a respiração enquanto planejo uma dose a mais de desespero em sua mente fragilizada. De repente, como por improviso, descuidados estampidos partem na direção do alvo, alvejando o concreto segundos antes e depois do seu salto para um terreno baldio anexo. Ligeiro, solto a arma e pulo da cadeira de balanço na direção das cortinas forçando meus olhos contra o clarão matinal - dois andares acima, vejo um cano esfumaçado que num instante desaparece.

Como um raio, volto para dentro do cômodo central e derrubo o café ainda quente na mesa. Abro a gaveta do criado-mudo e vislumbro a Glock prateada colocando-a perigosamente na cintura. O jogo era meu para ser jogado, porra!

Ao atravessar a porta do apartamento em direção às escadas, meus dentes já rangem, pronunciando ainda mais o meu já avantajado maxilar como sempre acontece quando fico nervoso. E nervoso, meu amigo, não era nada bom.

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