11 fevereiro, 2010

Reticências 8

Caminhar pela rua ajudava a esquecer os problemas, ou pelo menos assim eu pensava. Sem emprego, sem mulher e agora, oficialmente, sem casa. A senhoria não ficou muito feliz de saber que eu ficaria devendo mais um mês de aluguel. E, sabe o que é pior? Compreender isso tudo e saber que todos estiveram certos quando agiram (teoricamente) contra mim. Eu já tinha vendido tudo o que poderia ser vendido... Só me restavam algumas roupas, uma mala, alguns trocados, um colchão (que ficou no apartamento... ele não pagava nem um quinto do que eu devo para a Sra. Miller) e o velho Colt de meu pai.
Pelo menos essa parte da minha vida eu conseguia conservar. Meu velho pai... Sinto saudades. Essa arma era de meu avô, que tinha recebido do pai dele. Foi passada de geração em geração, como uma espécie de amuleto. Meu bisavô, pelo que me lembro do pai falar, era um delegado e essa arma era a “Mantenedora da paz e da ordem”, como estava gravado em sua coronha.
Bem, a arma tinha uma história... E garanto que mais feliz que a minha...
O título da minha vida poderia ser “O Panaca”... Pena que já é aquele filme com aquele ator que não consigo lembrar, mas que tem cabelos grisalhos e não é o Leslie Nielsen. Enfim, eu sou um crédulo. Nem sei como consegui chegar tão longe.Vindo do interior e com boas notas eu consegui uma bolsa de estudos na universidade, não só por causa das notas, mas porque era um bom jogador de Rúgbi. O treinador Coach disse que eu tinha futuro (nome engraçado o dele) e que poderia me tornar um profissional. Sendo assim, e ainda gostando de matemática, fui para o curso de Economia. Na universidade a vida fluiu. Eu nunca fui muito popular, os caras de outros esportes eram mais paparicados, afinal eles não estava com a cara inchada e roxa depois dos jogos. E eu sempre fui tímido, preferindo ficar na minha...
Foi lá que eu conheci a Rose, que veio a se tornar minha namorada. Ela tinha algo que faltava em mim... Depois vim a descobrir que eram os culhões. Ela fazia o que bem queria comigo. Eu nunca entendi bem porque eu deixava.... Eu simplesmente o fazia. No último semestre, pouco antes da formatura, eu me machuquei, e feio.
Tudo já estava esquematizado. Eu me tornaria profissional na equipe daqui mesmo e poderia fazer carreira. Mas, com um dos ligamentos do joelho direito destruídos na final do campeonato universitário, minha carreira chegava ao fim antes mesmo de começar. Só me restava a Economia, e assim foi. Fui trabalhar num banco, no setor de empréstimos. Nesse ponto minha credulidade começou a destruir minha vida...
O que eu fiz de errado? Ter pena das pessoas... Conceder empréstimos para quem não podia pagar e, seis meses depois, voilá, demissão por justa causa.... Rose? Essa deu no pé quando eu saí da faculdade... Nós morávamos juntos (eu a sustentava) e na primeira oportunidade ela partiu, dizendo que ia pra Paris, estudar. Hahaha... Ela tinha muitas dores de cabeça...
Pensar na minha vida na me fazia nada bem, mas era o que me restava. Era minha form...
Um tropeço e um encontrão num homem de meia idade, bombado:
- Desculpe senhor, eu estava distraído...
- Some da minha frente, seu almofadinha!
E um empurrão... A vida ensinou David Strauss a não revidar quando não era necessário. Acelerou um pouco o passo, sentindo um leve desconforto no joelho doente. Olhou para o céu, tentando encontrar a sol, de modo que esse o cegasse por alguns instantes. Ao invés disso, abaixo do ambiente nublado, entre os edifícios, viu o que pareciam ser duas balas cruzando por sobre a rua.
“Que estranho... Mas não é comigo.” – pensou. O desconforto tornou-se um dor, não das piores, mas uma daquelas que só passavam com alguns momentos de descanso. Viu um beco, desses que ficam entre os prédios e foi para lá, sentando em um caixote de madeira, massageando levemente o joelho. Segundos depois ouviu um barulho metálico sobre si e ao olhar para cima pôde visualizar um sujeito que caía pela lateral do edifício à direita. Sua última reação foi fechar os olhos...

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