21 dezembro, 2009

RETICÊNCIAS 4

Não sabe quanto tempo havia passado desde a última piscada. Só se moveu quando dos seus olhos surgiu a ardência provocada por uma fria e solitária gota de suor que pela testa percorreu lentamente suas rugas num grande canyon ressecado.

Abruptamente levanta deixando o celular escorregar pelo seu colo em direção ao carpete. Cruza a sala e entra no pequeno quarto alcançando uma surrada mala de couro bege em cima do armário atirando-a na cama de casal.

Enquanto roupas eram urgentemente arremessadas para a bagagem, pensa como ele realmente tinha acreditado que dessa vez seria diferente. Considerava um golpe de sorte a providência de achar esse apartamento de temporada ao invés de ficar em mais um hotel como nos últimos meses.

Aqui teria tempo para pensar e alcançar seu objetivo com relativa calma. Tinha a convicção que seria diferente, até mesmo porque a ampulheta do tempo se esvaia. Teria sido em vão? Esse pesadelo nunca vai ter fim?

Apressadamente fecha a mala e machuca o dedo na fivela, xinga alto enquanto inutilmente abana a mão no caminho para o banheiro. Abre a torneira e molha de forma desajeitada o corte alagando todo o piso branco. No caminho para a toalha, se encara no espelho como há tempos não se atrevia.

Não tinha percebido o quanto envelhecera nesse meio tempo. Os olhos fundos, as rugas e a barba por fazer formavam o aspecto de um homem décadas mais velho. Sempre foi conhecido por ter um rosto de que era fácil gostar, agradável e enrubescido. Rosto esse perdido em épocas mais simples. Hoje não é mais do que um uma caricatura de si mesmo: se escondendo, fugindo na vã esperança de resolver o cada vez mais irresoluto.

O corte dói enquanto a água fria entra pela carne rasgada. A pia já tingida de vermelho parece pulsar no ritmo de sua enxaqueca. Fecha os olhos com força - como pôde deixar essa porra acabar com sua vida? Dilacerar sua dignidade? Extirpar a vontade de sua alma, renegar seu direito por uma vida normal? Foda-se, não mais!

Enrola de qualquer jeito a toalha na mão machucada e corre para alcançar o diminuto telefone ainda semi-encoberto pelo plástico bolha. Olha nas chamadas recebidas e se espanta em se deparar com um 0800 conhecido. Onde é que viu esse número antes? De soslaio, fita a geladeira branca e a alcança se apressando em passar seus dedos esqueléticos entre os inúmeros imãs derrubando alguns no processo.

De repente para. Dá um passo pra trás lentamente como se fosse planejado, meticuloso. O sangue parece congelar mesmo com o coração como locomotiva no seu peito:

Ele estava certo.

16 dezembro, 2009

RETICÊNCIAS 3

A embriaguez escorreu pela pele amassada. O raciocínio tentou inútil ignorar o pedido de urgência. O corpo era a própria imagem da fragilidade.

Pedi para deixar a encomenda em cima da poeira do capacho. O sevidor, leal a sua função, exigiu que eu assinasse a papelada.

Em segundos, abri a porta, percebi que ainda existia um mundo lá fora, e voltei ao regime solitário - uma combinação tediosa de álcool, comida congelada e TV por assinatura.

Nem me despedi do rapaz. Olhos embaçados tentavam focalizar o pacote. Não era tão pesado. A consciência, essa sim, pressionava oito toneladas e meia sobre as costas.

A navalha abriu uma caixa de Pandora.

Impossível! Fiz de tudo para eliminar quaisquer vestígios! Como pude falhar?

O pânico se acentuou com um toque de telefone celular, algo que eu não tinha. Mesmo envolvido em plástico-bolha, ainda assim escapava um barulho irritante.

- Você acabou com a minha vida! Agora, é a minha vez de acabar com a tua!

Aquela voz foi o pior café-da-manhã que já experimentei. Não conseguia sequer respirar.

- Se eu fosse você, sumia de novo! Se for capaz...

Sempre havia me portado como homem correto. Até o instante que cometi um erro, considerado imperdoável por aqueles que eu me joguei contra o fogo para protegê-los.

Agora, minha vida vai se transformar em um inferno novamente.

15 dezembro, 2009

Pppprrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr.......

CHOWDER



Não tenho o que comentar. Já virei fã. Pur Favoooooooooooooooooooooooooor...

RETICÊNCIAS 2

Afastar-se um passo foi um reflexo, uma tentativa de vã sobrevivência, mesmo sem ameaça. O recém retorno da dimensão de Orfeu ainda o deixava confuso. Ou seria outra dimensão?
Como Adão no Paraíso Perdido de Milton, busca explicação para tais fatos inexplicáveis. Ou seria apenas destempero mental?
A figura do entregador o atormentava, tal qual a serpente, depois chamada Satã. A dúvida acometia cada vaso sangüíneo de seu corpo e cada órgão, como se transportada por hemácias insurgentes.
Fúria e medo se faziam presentes, enquanto seu cérebro produzia energia elétrica suficiente para iluminar uma lâmpada – “Como isso pode estar acontecendo?” – “Será um engano... Tenho certeza! Ninguém sabe onde estou...” – “Mas se alguém souber, estou condenado!”.
Teus pensamentos, agora mais amalgamados que antes, o levaram por caminhos não antes percorridos. Ou seriam lembranças anteriores? Ou pior, posteriores? Levou a mão à fronte, tentando conter uma pontada de enxaqueca que se anunciava, como o tema inesquecível de Tubarão.

Um quarto toque de campainha é ouvido, seguido por um conjunto de toques estridentes da aldraba pendente em sua porta e de uma solicitação recheada de sotaque castelhano:
- Señor, sei que está aí. Sua vizinha de porta avisou. Por ordem da empresa, devo entregar a encomenda em mãos. Aqui diz: Urgente e Frágil!

14 dezembro, 2009

RETICÊNCIAS

O despertador finalmente para depois de intermináveis minutos. Já está acordado há tempos. Aliás, nem dormiu. Como se conseguisse logo na primeira noite. É sempre assim e ele se culpa por ainda não ter se acostumado.

Levanta de forma desajeitada da confortável poltrona carmim. Mil braços parecem puxá-lo de volta. Tropeça no copo de Jack Daniels e derrama o líquido amarronzado vagarosamente absorvido pelo carpete mofado. Faz um xingamento mental e se aproxima cambaleante da cortina. A perna ainda dói.

Os dedos deslizam pelo grosso tecido aveludado e o puxam para o lado devagar. A luz não tarda a entrar, ferindo olhos cansados acostumados com a escuridão. Como por reflexo, leva a outra mão à vista e sente a sua pele aquecer. Abre mais um pouco. Faz um belo dia de verão e a cidade se apresenta numa orgia de sentidos, muito diferente da letargia da noite anterior. Ele gosta de pensar nelas como organismos vivos nem sempre necessariamente saudáveis. Esta, por exemplo, está em estado terminal.

Percebe o cheiro, olha as ruas e as pessoas. Seus olhos treinados vêem por detrás das máscaras e do visual “comercial de margarina” do parque ao lado. Pensa como as pessoas são voluntariamente estúpidas e ignorantes. É difícil viver com a realidade. Mais fácil é se isolar em seu pequeno mundo esquizofrênico particular. Ele sabe disso por que essa já foi também sua vida, mas há tempos não é mais. E nunca mais o será.

Respira fundo e flexiona os braços para trás espreguiçando-os sem tirar os olhos da metrópole pulsante à sua frente. Suspira. Impressionante: só quando você se encontra perto do seu objetivo é que se percebe o quanto ele está distante.

Flexiona os ombros pra frente encosta a cabeça no vidro aquecido. Fecha os olhos. Uma dormência agradável toma conta do seu corpo. Nada mais parece urgente. Nenhuma grande ambição ou objetivo. Ele precisa descansar.

De repente barulho. A consciência violentamente o traz de volta. Os olhos doem, os pensamentos confusos e a cabeça ainda contra o vidro. Mais uma vez. Agora desperto se coloca ereto, os ombros ainda cismando em se curvar pra frente. Procura a origem do barulho e demora em entender que ele vem da sua campainha. Como poderia saber¿

Desloca-se dolorosamente para a porta, os músculos travados e a perna dura como pedra. A distância é pequena, mas dá tempo de um terceiro toque, agora mais insistente. Olha no olho mágico e vê o uniforme impecável de um mexicano baixinho segurando um pequeno pacote da FEDEX contra o corredor démodé. Mesmo através da imagem turva não há como não reconhecer o seu nome na etiqueta do pacote. O coração dispara: ninguém sabe que ele está aqui.

02 dezembro, 2009

Mamute nostalgia


Melhor que em português. Hahahahaha.