09 janeiro, 2010

RETICÊNCIAS 5

Não poderia ser mais óbvio. O telefone da lavanderia, onde uma vez por semana deixava sua roupa. A sensação de paranóia tomava conta dele. Tinha até esquecido como era tal sentimento. O ferimento encharcava a toalha, provavelmente mais grave do que parecia. Desenrolou o dedo e pôde verificar o sangue vertendo. Pegou uma toalha de prato, sobre a pia e enquanto estancava o sangramento sua espinha gelou. O aparelho celular tocava novamente. Num misto de medo e ódio, correu até a sala e atendeu, ouvindo a mesma voz anterior:
- Se fosse você cuidaria deste ferimento. Você não pode morrer. Sua vida pertence a nós.
Num desespero que poderia ser a definição semântica do próprio termo, virou-se e para a janela mais próxima. Serrando os olhos, visualizou com muita dificuldade, na janela defronte a sua, um sujeito na penumbra, apontando um rifle com o que parecia uma mira. Olhou para seu peito. Um ponto vermelho desenhava sinistramente um lemniscate em seu peito.
“Deus, é o fim...” - pensou de início. O lazer cessou sua brincadeira infantil e pôs-se a subir, tomando seu pescoço e ofuscando seu olho esquerdo.
“NÃO!” – pensou novamente, enquanto seu cérebro iniciava os cálculos, algo que não acontecia havia tempos.
Trajetória da bala, velocidade... Deduziu se tratar de um rifle nacional, pois, fanáticos como eram, não se dariam ao desfrute de utilizar uma arma de outro Estado. Desvio ao passar pelo vidro, diferença da mira para o cano. Milésimos de segundo se tornavam minutos em sua massa encefálica.
Esquivou-se para sua a esquerda inferior, inclinando levemente a cabeça para a direita, tornando sua caixa craniana um objeto passível de ricochetear balas, essa era sua aposta. Se fosse uma bala com ponta de urânio, seu plano falharia. Felizmente, não era.
A bala perfurante passou pela sua cabeça, cavando uma vala milimétrica e levando consigo uma gota de sangue. Ouviu-se um grito feminino vindo do apartamento ao lado. Mais uma vítima de bala perdida. Pobre Senhora Parker... Se não tivesse dito que eu estava em casa, tudo isso poderia ser evitado.
Rastejou pela sala, agradecendo a si mesmo pelo desleixo de deixar roupas previamente usadas no sofá. Com o cuidado de não ficar à mostra, vestiu-se num piscar de olhos, abriu a porta e correu.
O cérebro calculava. Escadas, elevador, térreo, rua... Muito óbvio. Escadas, telhado, escada de incêndio. Probabilidade baixa de erro. O agradecimento anterior transformou-se num dito de maldição, pelo fato de não conhecer o terreno.
Três passos de sua corrida haviam sido dados e o telhado era sua melhor opção.

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