27 junho, 2008

ainda sem nome, parte 2

O banho já durava mais de quarenta minutos e ela permanecia abaixo do chuveiro, acaraciciando os cabelos molhados, com uma expressão fria no rosto. Grande filho da puta, pensava. Grande galinha mongolóide. Seus olhos se acendiam como se fossem chamas de raiva, enquanto pensava no marido que novamente desaparecera.

Se não fosse tão freqüente, soaria até mesmo teatral. Mas não era mais novidade, não para ela - os sumiços de uma noite, dois dias, até quatro, eram comuns.

Bastardo. Escória.
Um leve sorriso brincou em seus lábios quando ela pensou que também não era um perfeito anjo. O que mais a levaria a aturar o marido se não fosse... puramente dinheiro? Não podia reclamar do apartamento de luxo que estava e nem da casa de campo, a de praia e o motorista particular. Mas era revoltante - ela não era nada menos do que modelo internacional, reconhecida nos quatro cantos do mundo por sua beleza intrigante, e era ignorada dessa forma por um homem mais do que ativo em termos sexuais.

Grande filho da puta.

Quando ouviu o barulho da porta, não se surpreendeu. Sequer falou alguma coisa. Aguardou, ouvindo os barulhos de louças quebrando - estar bêbado também não era novidade para ela. Continuava abaixo do chuveiro, observando com interesse as pontas de seu cabelo, e analisando os dedos que já começavam a ficar enrugados. Só sentiu que algo estava errado quando os ruídos de destruição da decoração da casa atravessaram o corredor e chegaram à porta do banheiro. Ele nunca vinha à suite dela. Não logo depois de chegar.

Por detrás do vidro fosco do boxe, viu a silhueta de seu marido entrar devagar no banheiro, ainda cambaleante. Parecia hesitar em seus passos.

- Três dias. Espero que pelo menos dessa vez você tenha se dado ao trabalho de não sujar todo o apartamento! - exclamou com sarcasmo.
A resposta foi um grunhido rouco e ofegante, muito diferente da usual voz grave e firme. Deve ter engolido a garrafa junto, ela pensou, sentindo nojo. A silhueta agora se aproximava da porta do box, muito lentamente. Desligou o chuveiro, puxando a toalha para se enrolar, e ouviu que ele tinha a respiração ofegante e chiada, quase como a de alguém que não consegue respirar. O ritmo das inspirações soavam como se ele estivesse farejando algo.

- O que diabos você quer aqui? Pode me dar licença? Não quero você aqui agora.

Sem sinal de ter entendido, ele continuou avançando. Colocou a mão sobre o trinco que abriria a porta e hesitou por alguns momentos, ainda ofegante. Ela se aproximou mais do vidro, tentando ver a expressão em seu rosto, mas não foi preciso. Com violência, ele abriu a porta de uma vez, e avançou em um pulo. A última visão que ela teve, aos gritos, foi a de um rosto completamente desfigurado e coberto de sangue seco, e os olhos branco-leitosos do que um dia fora seu marido.

Grande filho da puta.

Um comentário:

Yirn disse...

intrigante e perturbador... um corpo encontrado e ainda tem um morto vivo... boa história, quero ver mais