21 janeiro, 2010

Reticências 6

Como eu gostaria de correr com as minhas pernas de ontem!

Pisei ofegante o topo do prédio. Nove andares, até que não é tão alto. Ou será que deveria considerar minha trôpega condição?

Os riscos de chumbo no céu azul. Os riscos que corro se não saltar. Correr, saltar, eu não sou mais um atleta olímpico.

Meus dias de herói são páginas de jornal, meus nomes são passado. Tanto a alcunha de batalha, como o que constou na certidão, hoje trancada em um arquivo de pó.

O salto de um herói. A queda de um homem. A história de uma vida.

Sorte que mantenho o equilíbrio no momento de aterrissar. Azar que os disparos continuam, vindos agora de outro ponto.

Meu plano de fuga havia sido traçado nos míseros segundos que vi a área de cima. Terrenos de mato descuidado me escondem até alcançar um local que julgo seguro.

O sol inimigo pode revelar minha posição, e o vento confronta meu corpo, quase que completamente alterado por experiências. Algumas bem, outras mal sucedidas.

Porra, só agora me dei conta: esqueci as malas! Deixei sobre a cama! Tudo o que eu tinha! Resta apenas a roupa do corpo!

Um veloz processador na cabeça, que permite uma imperdoável falha emocional.

Como eu gostaria de poder pensar com o meu cérebro de ontem!

18 janeiro, 2010

Zero - Responsabilidade

“Foi inevitável... Algum louco fatalmente erraria... E esse errou feio...”

Noticiário das Seis:

- A perseguição pelas ruas do centro da cidade foi intensa e o atirador conseguiu fugir. Estamos aqui com o Comandante Alighieri, responsável pelo esquema de segurança do Fórum e adjacências. Comandante, como o senhor explica esse tiroteio quase dentro do júri, sendo que havia um esquema de segurança enorme montado?
- Como eu sempre digo, repórter tem que ficar de fora... Mas como todo mundo fica atrás de publicidade gratuita, é nisso que dá. Aquele infeliz mascarado estava misturado com vocês...” – e sai andando.
- Essa foi a declaração pouco amigável do Comandante Alighieri, responsável pelo fiasco que foi a segurança do julgamento de Sandor Claw, absolvido da acusação de tráfico de drogas, depois de 3 meses no banco dos réus e 2 assassinatos entre os jurados. A contagem de corpos de hoje está em 5, sendo 2 jornalistas, 1 cidadão comum e 2 policiais, além de Sandor e seu advogado feridos. Aqui é Clare Hire para o Noticiário das Seis.

CORTA

“Tenho que correr! Correr!... O que foi que eu fiz!!! TINHA QUE SER FEITO! Eu sou Zero... Um dos Zeros... Vou continuar a matar criminosos... Eles mataram minha família no parque...”
Os pensamentos se atropelavam, misturados com adrenalina e serotonina em movimento. Frank não agüentou ver o algoz de sua mulher e seus filhos caminhar para a liberdade. Tudo tinha sido planejado e deu certo. Pelo menos em parte... Não sabia atirar. Era um bombeiro, da 5ª guarnição norte e bombeiros salvam vidas e não as tiram.
“AAAAAAAAHHHHH!!!”

CORTA

“Maldito sujeito. Eu avisei.”
Perseguir o falso Zero e se desvencilhar dos policiais era simples. Quando esses perderam a pista, envolvidos pelos becos mal definidos do centro, ficou ainda mais fácil.
“Sistema patético...”
O bote estava próximo. O Falso parou para respirar num beco sem saída. Erro comum e fatal. Zero saltou do segundo andar da escada de incêndio, com os dois pés sobre o ombro direito, rachando a escápula e deslocando o braço vinte centímetros. O Falso desabou, levando cerca de 3 segundos para gritar devido à dor lancinante.
Zero caíra de pé:
- Sabe o que fez??
- Ze-zero...? – ainda tonto
- SABE O QUE FEZ???
- Sim, vinguei minha família...
- ... – Zero retira do bolso um smatphone, liga-o na recepção de TV e aponta para o Falso.
- ... famílias dos dois policias já foram informadas do incidente e o IML ainda aguarda a identificação do cidadão desafortunado que passava por ali no momento do tiroteio. Faremos luto pelos companheiros de profissão Jim Cage e Jose Hernandez, respectivamente, repórter e cameraman do canal 12. Condo...
- Deus... Eu fiz isso?
- Sim... Tem noção de sua irresponsabilidade?
- E-eu não queri...
- Não queria... NÃO QUERIA!!! Acha que eu quero? Que não tenho que tomar o máximo de cuidado possível para que não haja nenhuma baixa? Nenhum efeito colateral, como eles chamam... Você é o que? Alguma espécie de louco?!?!
- Olha quem fala. Um sujeito que anda por aí, fazendo sua própria lei... Por que não posso fazer o mesmo?
- RESPONSABILIDADE!!! É o começo e o fim de toda vingança... E tomar minha face.
O rosto de Frank já estava tomado por lágrimas, tanto da dor física, quanto pelo remorso da morte dos inocentes.
- Eu só queria vingar minha família... Não é justo... Sandor está solto...
- E vivo....
- Vivo?
- Sim... Vivo.
- Meu Deus...
- Rogue por ele...

CORTA

Noticiário das 9.

- A emergência foi chamada e teve uma surpresa ao encontrar o bombeiro civil Frank House com um ombro, pernas e mãos quebradas no lugar conhecido como Beco da Morte Incerta. Semi-inconsciente, quando encontrado balbuciava a palavra “zero” e tinha um papel pregado em seu peito que dizia: Eu avisei. Sejam responsáveis pelos seus atos. Este não é um Zero.

15 janeiro, 2010

09 janeiro, 2010

RETICÊNCIAS 5

Não poderia ser mais óbvio. O telefone da lavanderia, onde uma vez por semana deixava sua roupa. A sensação de paranóia tomava conta dele. Tinha até esquecido como era tal sentimento. O ferimento encharcava a toalha, provavelmente mais grave do que parecia. Desenrolou o dedo e pôde verificar o sangue vertendo. Pegou uma toalha de prato, sobre a pia e enquanto estancava o sangramento sua espinha gelou. O aparelho celular tocava novamente. Num misto de medo e ódio, correu até a sala e atendeu, ouvindo a mesma voz anterior:
- Se fosse você cuidaria deste ferimento. Você não pode morrer. Sua vida pertence a nós.
Num desespero que poderia ser a definição semântica do próprio termo, virou-se e para a janela mais próxima. Serrando os olhos, visualizou com muita dificuldade, na janela defronte a sua, um sujeito na penumbra, apontando um rifle com o que parecia uma mira. Olhou para seu peito. Um ponto vermelho desenhava sinistramente um lemniscate em seu peito.
“Deus, é o fim...” - pensou de início. O lazer cessou sua brincadeira infantil e pôs-se a subir, tomando seu pescoço e ofuscando seu olho esquerdo.
“NÃO!” – pensou novamente, enquanto seu cérebro iniciava os cálculos, algo que não acontecia havia tempos.
Trajetória da bala, velocidade... Deduziu se tratar de um rifle nacional, pois, fanáticos como eram, não se dariam ao desfrute de utilizar uma arma de outro Estado. Desvio ao passar pelo vidro, diferença da mira para o cano. Milésimos de segundo se tornavam minutos em sua massa encefálica.
Esquivou-se para sua a esquerda inferior, inclinando levemente a cabeça para a direita, tornando sua caixa craniana um objeto passível de ricochetear balas, essa era sua aposta. Se fosse uma bala com ponta de urânio, seu plano falharia. Felizmente, não era.
A bala perfurante passou pela sua cabeça, cavando uma vala milimétrica e levando consigo uma gota de sangue. Ouviu-se um grito feminino vindo do apartamento ao lado. Mais uma vítima de bala perdida. Pobre Senhora Parker... Se não tivesse dito que eu estava em casa, tudo isso poderia ser evitado.
Rastejou pela sala, agradecendo a si mesmo pelo desleixo de deixar roupas previamente usadas no sofá. Com o cuidado de não ficar à mostra, vestiu-se num piscar de olhos, abriu a porta e correu.
O cérebro calculava. Escadas, elevador, térreo, rua... Muito óbvio. Escadas, telhado, escada de incêndio. Probabilidade baixa de erro. O agradecimento anterior transformou-se num dito de maldição, pelo fato de não conhecer o terreno.
Três passos de sua corrida haviam sido dados e o telhado era sua melhor opção.